quinta-feira, julho 27, 2006

O sistema internacional do “breve século xx”

Texto para a palestra apresentada na Escola de Sociologia e Política, em Setembro/2005

A virada do Milênio

Huntington (1999) criou o neologismo “unimultipolar” para descrever o sistema internacional surgido no pós-Guerra Fria, com a vitória dos Estados Unidos da América (EUA) sobre a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). Esse sistema unimultipolar é formado por uma superpotência global multidimensional (os EUA) e por várias grandes potências regionais (China, Rússia, Grã-Bretanha, França, índia, Alemanha e Japão).

Entretanto, a virada do milênio está sendo marcada pela existência, no interior da sociedade internacional, de duas tendências contraditórias nas esferas da economia e da política.

Na economia, a tendência aponta no sentido de integração simultaneamente global e regional. No plano da globalização, cerca de 400 grandes empresas multinacionais dos EUA, da União Européia (UE) e do Japão controlam 75% do PIB, do comércio e das finanças mundiais. No plano da regionalização, formam-se megablocos geoeconômicos como a UE, o Acordo de Livre Comércio da América do Norte (North America Free Trade Agreement, Nafta) e o Mercado Comum do Sul (Mercosul).

Na política, a tendência percorre caminho inverso ao da economia e aponta no sentido da fragmentação territorial de diversos Estados multinacionais, como foi o caso da Iugoslávia, Tchecoslováquia e URSS.

Um diagnóstico sobre a conjuntura atual e um prognóstico sobre cenários futuros implicam responder previamente à seguinte questão: o que foi e como chegou ao fim o sistema internacional do século xx? O estudo desse sistema internacional será feito mediante a combinação de dois métodos: o analítico e o histórico.

Nunca considerei os dois métodos incompatíveis. Sempre pensei, ao contrário, que eles se integram reciprocamente. Quem trabalha com o método analítico nunca pode esquecer que a realidade é bem mais rica do que as tipologias abstratas, que devem ser continuamente revistas para dar conta dos novos dados ou de novas interpretações dos dados já conhecidos. Mas o historiador também deve se dar conta de que, para compreender, descrever e ordenar a realidade de fato revelada pelos documentos, não pode abrir mão de conceitos abstratos, cujo significado, saiba ou não, lhe é fornecido pelos fanáticos da análise (BOBBIO, 1995, p. 15).


A sociedade internacional

Segundo Aron (1987) há que se distinguir analiticamente os conceitos de sociedade internacional e sistema internacional. A sociedade internacional é um conceito genérico mais abrangente, que engloba duas esferas: o mercado mundial e o sistema de Estados. No âmbito da sociedade internacional, desenrolam-se três tipos de relações: transnacionais, interestatais e supranacionais. Nas relações transnacionais, os principais atores são as empresas multinacionais; nas interestatais, são os Estados nacionais; nas supranacionais, são principalmente as organizações não-governamentais (ONGs).


O sistema internacional

Ainda segundo Aron (1987), o sistema internacional é parte da totalidade que é a sociedade internacional. É a dimensão política que corresponde ao sistema de Estados e é formado pelo conjunto de unidades políticas em interação recíproca, cujas relações desenvolvem-se “à sombra da guerra” (estado de natureza hobbesiano). Sua estrutura é anárquica (ausência de poder comum), hierárquica (grandes, médias e pequenas potências) e oligopolista (o seleto clube das grandes potências que dita as “regras do jogo”).

Os principais atores do sistema internacional são os Estados, na medida em que têm o poder de fazer a guerra e firmar a paz. Para Bobbio (1995), o Estado é bifronte, como o Janus da mitologia grega: na política interna, a relação entre Estado e sociedade baseia-se no monopólio da violência legítima (soberania estatal); na política externa, a relação entre Estado e Estados baseia-se na livre concorrência da força (anarquia internacional).


O “breve século xx

O historiador inglês Hobsbawn (1995) cunhou essa expressão para contrastar com a de “longo século xix” (1789-1914). O “século curto” divide-se em duas fases — a Nova Guerra dos 30 Anos (1914-1945) e a Guerra Fria (1947-1991) — e seu desfecho é marcado pela queda do muro de Berlim e o fim da URSS. A denominação “Nova Guerra dos 30 Anos” é inspirada pela Guerra dos 30 Anos (1618-1648), cuja Paz de Westfália inaugurou o moderno sistema de Estados e a política de equilíbrio europeu.

O sistema internacional do Concerto Europeu (1814-1914) era multipolar (Grã-Bretanha, Áustria, Prússia, Rússia e França), homogêneo (cultura iluminista, ideologia liberal e religião cristã) e regional (continente europeu). Já o sistema internacional da Guerra Fria mostrou-se bipolar (EUA e URSS), heterogêneo (capitalismo e comunismo) e global (extensão mundial). Esse sistema bipolar opôs a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) ao Pacto de Varsóvia e, desde 1970, o “equilíbrio do terror” foi garantido pela mútua destruição assegurada (mutual assured destruction, MAD).


A rivalidade entre EUA e URSS

Weber (1982) observou que não existe escolha teórica inteiramente neutra, toda escolha sempre implica valores. Nessa perspectiva, descarto qualquer explicação que acarrete apologia ou satanização, seja do sistema norte-americano, seja do sistema soviético. Evitarei também qualquer explicação liberal (cf. Karl Friederich) que enfatize estritamente a dicotomia política entre democracia e totalitarismo, assim como qualquer explicação marxista (cf. Lênin) que sobrevalorize especificamente o antagonismo econômico entre capitalismo e socialismo. De acordo com meus valores e preferências, adotarei o realismo (cf. Raymond Aron e Hans Morghentau) como teoria que coloca ênfase nas questões geopolíticas e estratégicas para explicar a confrontação entre as superpotências.

Compreender exige teoria, teoria exige abstração, e abstração exige simplificação e ordenamento da realidade. Teoria alguma pode explicar todos os fatos. [...] Uma das medidas de uma teoria é o grau em que ela abrange e explica os fatos relevantes. Uma outra, e a mais importante, é o grau em que ela mais abrange e melhor explica esses fatos do que qualquer outra teoria (HUNTINGTON, 1995, p. 15-16).

Segundo Brzezinski (1989), a rivalidade entre os EUA e a URSS deve ser vista como uma confrontação simultaneamente histórica, imperial e global.

A confrontação histórica dá-se entre uma potência oceânica (os EUA), sucessora da Grã-Bretanha, da Espanha e da Holanda, e uma potência terrestre (a URSS), sucessora da Alemanha imperial e nazista e da França napoleônica. Esse tipo de confrontação vem desde a Antiguidade, como atestam as lutas entre a Grécia e a Pérsia, entre Atenas e Esparta, entre Roma e Cartago.

Mapa 1

Fonte: (BRZEZINSI, 1989, p. 12)

A confrontação imperial ocorre entre um império marítimo (os EUA), que é poroso, fragmentado, descontínuo e tem projeções transoceânicas nas duas extremidades da Eurásia (Mapa 1), e um império continental (a URSS), compacto, contínuo e com projeção euro-asiática (Mapa 2). A expressão militar do primeiro é a Otan; do segundo, o Pacto de Varsóvia.

Mapa 2

Fonte: (BRZEZINSI, 1989, p. 13)

Na confrontação global, o prêmio pela vitória não é, como foi no passado, a hegemonia regional, mas a supremacia mundial e, no limite, a liderança de um império universal.


A luta pela Eurásia

A Eurásia é o gigantesco continente formado pela Europa e a Ásia. Uma comparação entre a Eurásia e a América do Norte, em termos geográficos, populacionais e econômicos, mostra que a primeira constitui o continente basilar do planeta.

Tabela 1: Distribuição de área, população e produto interno bruto (PIB)

Mundo, Eurásia e América do Norte, 1985


Área

(milhões de Km2)

População

(bilhões de habitantes)

PIB

(US$ trilhões)

Mundo

135

4,70

12,3

Eurásia

51

3,30

7,4

América do Norte

21

0,26

3,2

Fonte: Banco Mundial (1985)

A geoestratégia da URSS consistia em evitar o cerco e o isolamento político-militar imposto pelos EUA (objetivo defensivo) e expandir-se do centro (heartland) para a periferia (rimland) da Eurásia, expulsando os norte-americanos da Europa e do Japão, para obter saídas aos “mares quentes” (objetivo ofensivo). (Mapa 3)

Mapa 3

Fonte: (BRZEZINSI, 1989, p. 50).

A geoestratégia dos EUA, por sua vez, procurava evitar a perda da Europa e do Japão, assim como o isolamento na América (objetivo defensivo) e controlar as regiões de periferia (rimland) para conter a URSS no centro da Eurásia (heartland), cercando os soviéticos em três frentes estratégicas fundamentais. (Mapa 4)

Mapa 4

Fonte: (BRZEZINSI, 1989, p. 51).

Na frente do extremo ocidente (1947-1948), ocorreu a crise de Berlim, intervenções na Grécia e Turquia e a formação da Otan, para bloquear o acesso soviético aos Estreitos e ao Mediterrâneo. Na frente do extremo oriente (1950-1953), há a Revolução Chinesa, a Guerra da Coréia e a formação do “perímetro de segurança” norte-americano (Japão, Coréia do Sul, Taiwan, Filipinas e Tailândia), para impedir o acesso sino-soviético ao Pacífico. E na frente do sudoeste da Ásia (1979-1981), sucedeu a revolução no Irã e a invasão do Afeganistão, para impedir o acesso soviético ao petróleo do golfo Pérsico e ao oceano Índico; esta frente foi consolidada na guerra contra o Iraque, em 1991.

Na luta mundialmente decisiva pela Eurásia, os EUA e a URSS estão conscientes de três fatos geoestratégicos fundamentais. Primeiro, somente através do domínio oceânico os EUA mantiveram até agora a capacidade de impedir que as periferias vitais do continente eurasiano caíssem em mãos soviéticas. Segundo, se a URSS controlar todo o continente eurasiano, poderá, efetivamente, contestar o controle americano do Atlântico e do Pacífico. Terceiro, se a URSS alcançar o domínio oceânico, poderá transformar os EUA numa fortaleza isolada e cada vez mais vulnerável. Moscou seria, então, capaz de explorar os sentimentos nacionais antiamericanos, até mesmo no Hemisfério Ocidental, na própria periferia dos EUA (BRZEZINSKI, 1989, p. 161-162).


O rival unidimensional

O poder unidimensional da URSS — basicamente, uma superpotência militar — desempenhou importante papel no desfecho da Guerra Fria.

Tabela 2: EUA e URSS: Produto interno bruto (PIB) e despesas militares

Região

PIB (US$ trilhões)

Despesas militares

(US$ bilhões)

% do PIB

EUA

4,2

258,2

6,0

URSS

2,1

277,2

13,0

Fonte: Center of Defense Information (1985)

Como mostra a Tabela 2, os EUA, potência multidimensional, é, ao mesmo tempo, uma superpotência econômica (com PIB de US$ 4,2 trilhões) e uma superpotência militar (com despesas militares equivalentes a 6% de seu PIB). Por sua vez, a URSS, potência unidimensional, é uma superpotência militar (com despesas militares equivalentes a 13% de seu PIB) e uma subpotência econômica (PIB de US$ 2,1 trilhões).

A tese da “fadiga imperial” (imperial overstretch), do historiador Kennedy (1989), é uma das chaves para a explicação da derrota da URSS frente aos EUA no final da Guerra Fria. Se os gastos militares soviéticos (13% do respectivo PIB) eram o dobro dos gastos americanos (6%) e se o PIB soviético era a metade (50%) do norte-americano, o encargo militar tornou-se quatro vezes mais pesado para a URSS do que para os EUA. O militarismo soviético acabou por provocar a “fadiga imperial” que levou à retirada militar do Afeganistão, ao fracasso da perestróika e da glasnost, à queda do muro de Berlim e ao fim da própria URSS. (Gráfico 1)


Gráfico 1: Gastos militares dos EUA e da URSS (em bilhões de dólares, constant FY, 1985)

Fonte: Congressional Research Service.


Os novos interesses estratégicos dos EUA

Huntington (1992) destaca a mudança nas prioridades da política externa norte-americana para manter aquele país como a primeira e única superpotência global multidimensional do pós-Guerra Fria.

A contenção econômica do Japão tornou-se prioridade máxima dos EUA após a contenção militar da URSS. O fulcro da crise norte-americana não estava no militarismo (7,5% do PIB), mas no consumismo (75% do PIB) e nas baixas taxas de poupança e investimento dos EUA, quando comparadas às do Japão (25-30% ao ano). Já a manutenção do equilíbrio de poder na Eurásia foi política similar à da Grã-Bretanha, de “equilíbrio europeu”, no século XIX (França, Rússia, Prússia e Áustria). O novo equilíbrio de poder eurasiano contemplava quatro grandes potências regionais (Rússia, União Européia, China e Índia). Assegurado o equilíbrio, a “baleia” norte-americana poderia reinar soberana nos oceanos, ao deter sozinha 55% da capacidade de guerra naval do planeta.

Houve ainda interesses seletivos no Terceiro Mundo — América (México, América Central e Caribe, canal do Panamá), África (África do Sul, rota dos superpetroleiros pelo Cabo), Oriente Médio (Arábia Saudita e golfo Pérsico, “jugular” do petróleo); Extremo Oriente (Coréia do Sul e Filipinas, “ferrolhos” do Pacífico).


O Brasil no contexto internacional

No hemisfério continental (Norte), estão 75% das terras (100 milhões de km²) e 85% da população (5 bilhões habitantes) do mundo; este hemisfério responde por 80% do PIB (US$ 22,5 trilhões em um total de US$ 28 trilhões) e do comércio (US$ 4,8 trilhões em um total de US$ 6 trilhões) mundiais. Ao hemisfério oceânico (Sul) — onde se concentram 25% das terras (35 milhões de km²) e 15% da população (1 bilhão de habitantes) — cabem 20% do PIB mundial (US$ 5,5 trilhões) e do comércio (URS$ 1,2 trilhão) mundiais.

A posição brasileira é sul-hemisférica, excêntrica e periférica em relação aos quatro centros do poder mundial: as regiões nordeste e sudoeste dos EUA, a Europa Ocidental e a Ásia do Pacífico. O Brasil tem um PIB de US$ 900 bilhões (3% do PIB mundial) e US$ 6 mil de renda per capita. Entre seus problemas mais graves estão as reduzidas exportações (US$ 60 bilhões, equivalentes a 1 % do comércio mundial), os desequilíbrios regionais e as desigualdades sociais.


Tabela 3: Distribuição de renda per capita

Brasil, Japão, Alemanha e EUA

Países

20% mais pobres (US$)

20% mais ricos (US$)

Diferencial piso/teto

Brasil

600

18.500

30 vezes

Japão

9.000

39.000

4

Alemanha

6.600

38.000

6

EUA

5.800

51.700

9

Fonte: (IDH, 1999)

No ano 2000, o Brasil era uma potência média (10º PIB do mundo) que ainda não utilizara integralmente todos os seus fatores de poder nacional, tais como população, território, base industrial, recursos minerais e energéticos, capacidade de ciência e tecnologia. A mobilização desses fatores de poder para transformar o País em grande potência não é tarefa de um governo, mas de, no mínimo, uma geração, e só um projeto estratégico de médio prazo poderá levar o País do estado de potência média à situação de grande potência regional. Na política global, será preciso evitar tanto a confrontação, quanto o alinhamento automático com os EUA, mantendo uma autonomia relativa frente à hiperpotência norte-americana. Para contrabalançar a hegemonia dos EUA, o Brasil precisaria ampliar e diversificar suas relações com a União Européia, o Japão, a China e a Índia. Na política regional, necessita atuar em duas frentes estratégicas: por um lado, buscar projeção continental sul-americana, expandindo-se a partir do Mercosul e fortalecendo a aliança estratégica e econômica com a Argentina; por outro lado, obter projeção oceânica sul-atlântica, interagindo com três países-chave do continente africano (África do Sul, Angola e Nigéria).


Os cenários para o século XXI

Com isso, praticamente fechamos o ciclo e retornamos ao ponto de partida, quando afirmamos que o atual sistema “unimultipolar” consiste de uma única superpotência global e diversas grandes potências regionais. Este sistema, por ser híbrido e de transição, deverá dar origem a outro sistema internacional. A partir do diagnóstico feito até aqui, é possível prognosticar pelo menos três cenários, dois extremos e um intermediário, para o futuro. Tais cenários não são necessariamente alternativos ou excludentes; podem se apresentar como cenários sucessivos no decorrer do século xxi.

Em um cenário “hobbesiano”, trabalha-se com a hipótese do surgimento de um sistema unipolar — baseado numa pax americana — que daria origem a um império universal liderado pelos EUA, os quais, elevados à posição de super-Leviatã, seriam capazes de impor ao mundo uma “paz pela força”, baseada no monopólio global da violência legítima. Atualmente, os EUA são uma hiperpotência, têm um PIB de US$ 9,5 trilhões (1/3 do PIB mundial) e 55% do poderio naval do planeta e tentam viabilizar a criação de um escudo espacial antimíssil.

Temos um destino a cumprir, um “destino manifesto” sobre todo o México, sobre a América do Sul, sobre as índias Ocidentais e o Canadá. [...] As portas do império chinês devem ser derrubadas pelos homens de Sacramento e do Oregon, e os arrogantes déspotas japoneses, inimigos da cruz, serão iluminados nas doutrinas do republicanismo e da lei do voto. A águia da república pousará sobre o campo de Waterloo, depois de traçar seu vôo entre os desfiladeiros do Himalaia ou dos montes Urais, e um sucessor de Washington ascenderá ao trono do império universal (BOW, 1850 apud BARRACLOUGH, 1973, p. 98-99).

Em um cenário intermediário, prevê-se o ressurgimento de um sistema bipolar baseado em um novo equilíbrio de poder. De um lado, teríamos uma Aliança Atlântica (Otan) comandada pelos EUA, expandindo-se cada vez mais em direção à Europa Oriental; de outro, a reação de um bloco eurasiano formado pelos três gigantes continentais (China, Rússia e índia), cuja estratégia de contenção mergulharia o mundo numa II Guerra Fria.

Em um cenário “kantiano”, por fim, formula-se a hipótese do retorno a um sistema multipolar baseado numa pax universalis. A consolidação da democracia e sua propagação para a maioria dos países do planeta poderia culminar numa federação de repúblicas mundial livres ou numa república universal. Esta república kantiana seria gerida por uma Comunidade das Nações, com uma diferença específica essencial: diferentemente das Nações Unidas (ONU), deverá dispor de um poder armado próprio. Assim, em situações extremas, poderia recorrer a esses meios de coerção para dar eficácia ao direito internacional, cujo aparato jurídico apoiado pela violência legítima estaria em condições de proteger os países fracos, impor limites à prepotência dos países fortes e assegurar ao mundo inteiro uma “paz pela lei”.


Kant contra Hobbes

Para finalizar caberia esclarecer como me posiciono frente a esses cenários prospectivos. A resposta requer a volta a um passado que, a esta altura, já pertence à história. Em 1968, estudante da Universidade de São Paulo, aprendi com Antonio Gramsci duas lições fundamentais: a primeira é que um intelectual deve ser pessimista de inteligência, mas otimista de vontade; a outra é que a história não está predeterminada, porque o futuro é cose a fare. Durante mais de 35 anos esse aprendizado norteou minha reflexão como intelectual e minha ação como ser moral. É ainda com esse espírito gramsciano, que marcou também o caráter de minha geração, que me posiciono claramente: é Kant contra Hobbes, é a Paz Perpétua contra o Leviatã. Como intelectual, sei que a “paz pela espada” imposta pelo império hobbesiano universal parece ser o cenário mais provável. Como ser moral, porém, toda a minha ação será sempre no sentido de tornar possível a “paz pelo direito”, que é consubstancial à república democrática universal.


Referências

Aron, R. Os últimos anos do século. Rio de Janeiro: Guanabara, 1987.

Barraclough, G. Introdução à história contemporânea. Rio de Janeiro: Zahar, 1973.

Bobbio, N. Direita e esquerda. São Paulo: Unesp, 1995.

Brzezinski, Z. EUA x URSS: o grande desafio. Rio de Janeiro: Nórdica, 1989.

HOBSBAWM, E. Era dos extremos. São Paulo: Cia das Letras, 1995.

Huntington, S. (1992). A mudança nos interesses estratégicos americanos. Política Externa, São Paulo, v. 1, p. 92, 1992.

______. O soldado e o Estado. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1995.

______. A superpotência solitária. Foreign Affairs (edição brasileira), n. 30, mar. 1999.

KENNEDY, P. Ascensão e queda das grandes potências. São Paulo: Campus, 1989.

WEBER, Max . “A objetividade do conhecimento nas Ciências Sociais”. In Weber, Sociologia, org. Gabriel Cohn, Editora Ática, pág. 79, 1982.



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