segunda-feira, fevereiro 09, 2009

À Diretoria do Sindicato dos Trabalhadores da USP (SINTUSP)

Texto publicado no jornal do SINTUSP, de fevereiro de 2009.

A bigorna dura mais do que o martelo.

ditado vietnamita

Dirijo-me aos funcionários, estudantes e professores da USP para manifestar publicamente a minha surpresa, indignação e protesto contra a medida de força que resultou na demissão por (in)justa causa de Claudionor Brandão. Além de antigo funcionário, temperado na dura luta do trabalho cotidiano, Brandão recebeu de seus pares, como prova de renovada confiança, uma dupla legitimidade. Primeiro, a legitimidade de ser eleito diretor sindical do SINTUSP e, segundo, a legitimidade de ser eleito representante de sua categoria no Conselho Universitário (CO). Não nos enganemos: Brandão foi cassado e proscrito não por seus hipotéticos defeitos, mas sim por suas comprovadas qualidades como líder e dirigente sindical. Fosse ele um pelego, capacho e colaboracionista das altas esferas universitárias, sem dúvida seria saudado e apontado pelos donos do poder como “funcionário exemplar”. Mas, como dirigente altivo, consciente e combativo, coube-lhe o primeiro lugar na “lista de degola” que pode estar em andamento.

Não acalentemos falsas ilusões: Brandão foi o primeiro, mas não será o último desse processo de proscrição. Coube a ele ser a cobaia do ensaio geral para medir a nossa capacidade de reagir frente a um fato consumado que cutuca o leão com vara curta. Se nos calarmos, cruzarmos os braços e não fizermos nada em defesa dos direitos de Brandão, vitimado pelas artimanhas e armadilhas jurídicas de uma demissão forjada por “justa causa”, não poderemos nos queixar das represálias que poderão atingir em futuro próximo todos os setores da comunidade universitária. Não é demais lembrar que a demissão por justa causa implica na perda absoluta dos direitos adquiridos como contrapartida por todo o tempo de trabalho. O abuso do Direito e a cisão entre legalidade e justiça, poderão servir de pretexto para novos expurgos, vendetas e retaliações. Uma vez aberto o precedente, é possível que venham a ocorrer novas cassações de diretores do SINTUSP e outros funcionários. Não é segredo que o sonho de longa data acalentado é desmantelar o sindicato e deixar os funcionários órfãos de representação coletiva ou colocá-los à mercê de um sindicato de fachada, que seja mera linha auxiliar dos detentores do poder.

Como antigo dirigente estudantil (geração 68), alerto também aos estudantes e suas entidades representativas para o “tsunami” que pode despontar de surpresa no horizonte. É hora de esquecer divergências, cerrar fileiras, mobilizar forças e prestar apoio e solidariedade, de fato, aos trabalhadores uspianos. A passada ocupação da Reitoria e os processos dela decorrentes poderão ser utilizados para decapitar a vanguarda estudantil, além de esvaziar o DCE e outras entidades aguerridas. Aqui também é preciso tomar cuidado com alguns carreiristas e oportunistas que existem em toda parte. Nesse caso, refiro-me à quinta coluna alienada, que acha que a única função do estudante é somente estudar, ignorando a dinâmica dos movimentos sociais à sua volta.

Aqueles que enfrentaram prisão, tortura, exílio ou clandestinidade sabem que, ao longo de nossa história, a repressão começou sempre em cima dos pobres e trabalhadores, depois desabou sobre os universitários e secundaristas, terminando por desancar os professores e intelectuais. Não pensem estes últimos que, do alto de seu status, estarão protegidos de vendavais e tempestades. Estou apenas recordando a conhecida tática do salame, que consiste em fatiar um setor de cada vez, até chegar finalmente a nossa vez. Basta reler o velho Brecht, cujo poema é bastante conhecido. Quem não o leu que busque fazê-lo, para não vir alegar depois que desconhecia ou não apreciava poesia.

A premissa é que a USP se funda no trabalho manual e intelectual daqueles que a integram, o que possibilita ensino, pesquisa e extensão. Resulta daí que somos todos interlocutores legítimos que não podem ser ignorados; que temos direitos individuais e coletivos assegurados pela Constituição; que queremos ser ouvidos para que possamos debater e dialogar com a outra parte numa mesa de negociação. É preciso que se abra um espaço de interlocução para que apresentemos nossos pontos de vista, razões e desrazões. Se essa proposta não for aceita pela Reitoria, restariam ainda dois caminhos, que não são antagônicos nem excludentes. Bem ao contrário, no mais das vezes são convergentes e complementares.

Um deles diz respeito ao aspecto legal e o outro ao da mobilização social. O primeiro caminho passa pela utilização de todos os recursos jurídicos que o império da lei coloca à disposição do cidadão para a defesa de seus direitos civis, políticos e sociais. Isso é um recurso necessário, mas está longe de ser suficiente. O segundo caminho, que corre paralelamente ao primeiro, aponta para a mobilização, organização e conscientização dos três setores de nossa comunidade: funcionários, alunos e docentes. Seu principal objetivo é fazer ver à Reitoria, ao Conselho Universitário e às demais instâncias de poder, que os atingidos não aceitarão passivamente os fatos consumados, de viés unilateral e autocrático. Desde as revoluções inglesa, americana e francesa, o ideário iluminista reconhece o direito de resistência como uma forma de luta legítima à qual podem recorrer os cidadãos É do interesse de todos que os interlocutores devam estar dispostos a discutir os argumentos e reivindicações de parte a parte. Quanto ao SINTUSP, penso que uma pauta mínima de negociação deve englobar necessariamente, entre outros pontos, pelo menos dois itens essenciais:

a) a pronta revogação da demissão do funcionário, sindicalista e representante, Claudionor Brandão;

b) a readmissão imediata do mencionado funcionário, que deve reassumir suas funções no gozo e no exercício da plenitude de seus direitos.

Aliás, diga-se de passagem, a proposta acima formulada é similar à contida na Moção aprovada pela Congregação da FFLCH, em sessão realizada em 19/12/2008, que, em síntese, afirma o seguinte:

Em vista desse quadro, esta Congregação se coloca contra a demissão do referido funcionário e solicita sua readmissão para que seja retomado o diálogo entre as partes nos termos condizentes com uma prática democrática e de respeito para com as peculiaridades de cada seguimento da Universidade”.

Finalmente, quero reafirmar que as relações e a convivência entre os três segmentos da comunidade, bem como o encaminhamento de suas propostas e a solução de suas divergências, devem excluir medidas de exceção, retaliação e repressão. Nossa Universidade é uma unidade da diversidade onde interagem as forças da produção e do saber, cujo método de resolução de problemas deveria adotar como princípios norteadores a negociação transparente, o respeito recíproco e o mútuo entendimento.